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Santa Irene Lopes de Araújo















Em qualquer roda de conversa sobre jornalistas gaúchas que marcaram história com uma trajetória vitoriosa atuando em veículos diversos, ou sobre militantes de esquerda assumidas da adolescência até o final da vida, ou sobre defensoras de lutas pelos direitos humanos, das mulheres, da população negra e dos LGBTQIA+, o nome de Santa Irene Lopes de Araújo terá que ser lembrado e reverenciado. Porque Iyá Santa Irene, que faleceu na noite de 6 de março de 2021, além de uma saudade imensa em seus familiares e seu numeroso círculo de afetos, deixou em todos que a conheceram exemplos de persistência, coragem, fé e orgulho de partilharem da sua caminhada.

Natural de Santana da Boa Vista, Santa Irene, que faleceu aos 71 anos, era jornalista formada pela Famecos/PUC. Aposentada há alguns anos, diversas vezes Santa Irene manifestou desgosto profundo com o cenário no País, em especial quando o homem que dizia detestar a política, Jair Bolsonaro assumiu o Governo. No final de 2020, ainda sem vacinas, vivendo o ápice da pandemia, decidiu aumentar os cuidados e foi morar na praia, em Magistério. A ida teria como prioridade a elaboração de projetos relacionados às causas sociais dos povos de terreiro, e o aprofundamento de seu conhecimento sobre religiões de matrizes africanas.

Foi acompanhada de seu esposo, companheiro e amigo de longos anos, Paulo Araújo, o Paulinho, como ela o chamava carinhosamente, o gato Lênin Ernesto e uma mala com sua extensa biblioteca de livros antigos e atuais sobre comunismo, feminismo, história, povos tradicionais, teses sobre antirracismo e jornalismo. Em 6 de março de 2021, ela sentiu fortes dores nas costas, que foram confundidas com uma crise de coluna. Devido ao colapso no sistema de saúde em função da Covid-19, não teve acesso ao atendimento hospitalar específico próximo ao balneário de Magistério. No sábado à noite foi atendida na UPA de Pinhal, medicada com analgésico intravenoso sem prévio diagnóstico ou exames de imagem. Não resistiu.

A militante comunista e da luta das mulheres, que faleceu dois dias antes do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, deixou inconsoláveis o marido Paulinho, o filho Iberê Lopes, músico, poeta e jornalista, residente em Brasília, a filha Maíra Lopes de Araújo “Janaína”, professora de Capoeira e mestra em Educação Física e o felino Lenin Ernesto.


Trajetória profissional e militância


Mulher de estatura pequena, Santa Irene tornava-se uma gigante na defesa de seu País, da profissão, da família, de seus amigos e seus ideais. Dedicou sua vida ao jornalismo e esteve à frente de movimentos em todo o cenário nacional pela imprensa livre e democrática. Atuou na Rádio Difusora, Folha da Tarde e Hoje (já extintos) e Correio do Povo. Fez Assessoria de imprensa, entre essas na Prefeitura de Gravataí, da bancada do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), especialmente durante o mandato de Raul Carrion com quem construiu inúmeros projetos, se destacando nas ações pela luta antirracista. Foi redatora do projeto de lei que deu origem à Semana Municipal de Capoeira de Porto Alegre, projeto idealizado por seu amigo e companheiro de luta, Mestre Farol (Paulo Costa). Ao lado de sua grande amiga, Jeanice Dias Ramos, criou, em novembro de 2001, o Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RGS, inicialmente para atender demandas do Comitê Afro-brasileiro do Fórum Social Mundial, que acolhia jornalistas da África, Europa e das Américas, mas estendendo seu objetivo para dificuldades enfrentadas por jornalistas negros e negras no exercício da profissão.


Comunista declarada, Santa Irene foi uma militante dedicada do PCdoB, uma das fundadoras da União Brasileira de Mulheres (UBM), em Porto Alegre e no Estado, onde ocupou muitas funções, e diretora de comunicação do Fórum de Mulheres do Mercosul do Rio Grande do Sul. Era assistente da coordenação nacional das Mulheres do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana/RS (Fonsanpotma). E, representando o Fórum de Mulheres do Mercosul, foi eleita, em setembro de 2019, tesoureira do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA).


Depoimentos de amigos


Márcia Martins, jornalista e presidenta do COMDIM/POA na mesma gestão da Santa Irene – “Ela semeou uma legião de amigas, companheiras, colegas e pessoas que a admiravam pela coragem, persistência, ânimo para qualquer luta em nome da justiça social, igualdade de direitos, respeito à população LGBTQIA+. Já a conhecia do jornalismo - é um meio onde quase todos se conhecem, nem sempre intimamente. A partir de 2017, quando passei a atuar mais organicamente nos movimentos feministas, começamos a compartilhar com mais frequência nossos projetos e expectativas. A eleição para o COMDIM me aproximou desta mulher incrível, estreitamos os laços e, muitas vezes, no isolamento da pandemia, Santa me ouvia, me acolhia, mesmo que virtualmente, me abrigava em seu enorme coração. Foram tantos e preciosos conselhos, orientações sobre feminismo e até mesmo conversas sobre a família. Sua partida no meio da pandemia me dói até hoje pela impossibilidade de abraçar, de acarinhar, de fazer a despedida”.


Marcelo Villas-Boas, jornalista e padrinho de casamento – “Minha primeira semana da Famecos. Eu motorizado. Tinha feito 18 anos e o mundo me esperava. Ganhei um flamante Fusca bege e coloquei um adesivo pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita. Assim, faceiro, avisto uma baixinha, elétrica e quase serelepe, que acena o dedão pedindo carona. Foi ali que conheci a Santa Irene, mulher que amei até o fim de sua jornada. Fui seu padrinho de casamento com o Paulinho, meu colega no Diário de Notícias, soube do nascimento de seus filhos, e observei como ela se tornou uma aguerrida militante de esquerda, e como eu invejei a volúpia com que ela se atirava à luta comunista, sem esconder sua fé nas religiões afro. Sempre que pude encontrava a Santinha. Da última vez, fui levar para ela o meu livro, "Um Piano Dentro da Noite". Notei que marejou aqueles olhinhos sempre tão atentos e sinceros. A militância política jamais afastou a sensibilidade e emoção daquele coração imenso. Chorei quando soube que a Santa tinha ido. Lembrei da carona no Fusca e daquela tarde do nosso último encontro. E de um amor que se despediu para sempre”.

Texto da Jornalista Márcia Martins com colaboração de Maíra Lopes de Araújo, filha de Santa Irene

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